Em Family Project (2007-2009) Miguel Bonneville criou diversas obras – desenhos, instalações, filmes e espectáculos – em torno da ideia de família, fazendo uma transmutação do passado em presente, expondo as suas origens, o seu contexto, e as marcas permanentes dos traumas de infância – a família como lugar de destruição por excelência, como essência do mal -;fragmentos das suas tentativas de compreender como as nossas origens, a nossa educação, o passado, se impõem e nos moldam, e como se torna uma tarefa hercúlea desapegarmo-nos dessas mesmas imposições.    

Em 2018 regressou a este projecto com a performance Futuro Suicida, voltando a uma análise incisiva que atravessa o tempo: o adulto de hoje propôs-se matar a criança que foi – a criança que o projectou precisamente para esse fim -, deixando espaço para criar a verdadeira infância: a infância do futuro.

Assassinada a criança (ou suicidada), Bonneville faz agora uma proposta diferente das anteriores: partir de uma extensão da família, de uma figura sempre presente, que ultrapassa a reputação do sangue: Goretti. Segunda mãe, anjo da guarda, protectora, figura absolutamente incontornável na sua vida, e que abriu de um golpe o coração estagnado e pestilento desse moribundo lar burguês.

Daí advém Ensaios de Santidade, obra criada propositadamente para a casa de madeira das Naves Matadero, em Madrid, que se converteu num espaço intimista, um possível refúgio – uma fuga às nossas casas familiares, casas-fantasma: lugares de horror e de todos os impulsos suicidas. É nessa casa – lugar espacial, psicológico e espiritual – onde o artista espera que os seus visitantes possam despertar os seus amores impossíveis de domesticar, onde possam ser figuras de ferida, e que juntos (e também separadamente), mesmo feridos, possam ir em direcção a uma noite sem nome e possam celebrar-se: objectos indescritíveis.